"Os tempos são de mudanças. Quem quer
comprar um jornal que não traz o resultado da eleição norte-americana, ocorrida
na véspera? Quem, entre os usuários da internet, quer abrir mão de enviar
artigos por e-mail, compartilhar notícias em redes sociais, comentar ou
discutir um texto com o seu autor on-line, consultar arquivos na hora? Os
jovens é que não são", diz a jornalista Marion Strecker, que aposta no fim
do jornal impresso
Três mitos gregos
Marion Strecker
Podem
me chamar de Cassandra. Eu não ligo. Essa figura mítica grega, a quem Apolo
ensinou os segredos da profecia, passou a ser tida por louca quando tentou
comunicar aos troianos suas previsões de catástrofe e desgraças, todas
realizadas.
Depois
que Cassandra se negou a dormir com Apolo, o deus vingativo lançou-lhe a
maldição de que ninguém jamais viesse a acreditar na profetisa.
O
nome de Cassandra surgiu na semana passada no debate promovido pelo jornalista
Alberto Dines no programa "Observatório da Imprensa", na TV Brasil. A
discussão era a morte dos jornais, assunto que voltou à baila com a recente
extinção do paulistano "Jornal da Tarde" e com a decisão da revista
norte-americana "Newsweek" de prosseguir atividades apenas on-line,
não mais em papel.
Escrevi
que podem me chamar de Cassandra, pois minha previsão é que os jornais vão,
sim, acabar. Aliás, já estão acabando. Centenas sumiram nos últimos anos. Sinto
muito, pois eu adoro jornais. Além disso, eles têm uma função política
fundamental na defesa do interesse público e na sustentação da democracia,
frequentemente superior ao desempenho de outros meios de comunicação
especializados em notícias ligeiras e pouca investigação.
Mas
os tempos são de mudanças. Quem quer comprar um jornal que não traz o resultado
da eleição norte-americana, ocorrida na véspera? Quem, entre os usuários da
internet, quer abrir mão de enviar artigos por e-mail, compartilhar notícias em
redes sociais, comentar ou discutir um texto com o seu autor on-line, consultar
arquivos na hora? Os jovens é que não são.
Ainda
tenho o fetiche de empunhar um jornal e sentir o mundo nas mãos. Gosto da sua
organização, da sua periodicidade, do seu material. Cresci com eles ao meu
redor. Leio diariamente, com prazer e afinco.
Mas
vejo que existe hoje um fetiche bem maior com iPhones, iPads, Galaxys e
similares. Todos eles suportes possíveis para o bom jornalismo.
Então
prever o fim dos jornais não é sinônimo de prever o fim do jornalismo, bem
entendido.
Não
faço parte das turmas que tentam vender a ideia de que jornalistas são
dispensáveis num mundo em que qualquer um pode publicar qualquer coisa na
internet.
O que me salta aos olhos na internet são outros mitos gregos: Eco e Narciso.
O que me salta aos olhos na internet são outros mitos gregos: Eco e Narciso.
Narciso
é um jovem magnífico que se apaixona pela própria imagem refletida na água. Acabou
consumido pelo amor-próprio e se tornou o nome da flor encontrada onde ele
desapareceu.
Somos todos Narcisos no Facebook, Orkut ou Instagram, quando publicamos fotos dos nossos sorrisos e melhores momentos.
Somos todos Narcisos no Facebook, Orkut ou Instagram, quando publicamos fotos dos nossos sorrisos e melhores momentos.
Eco
é uma ninfa que amava os bosques e os montes, mas tinha um defeito: falava
demais e sempre queria ter a última palavra em qualquer discussão.
Como
Eco fez o papel de distrair Hera enquanto Zeus se divertia com outras ninfas,
ela recebeu um castigo. Perdeu o direito à própria voz, que tanto amava. Foi
condenada a repetir eternamente a última palavra do que os outros falassem.
Pois
são muitos ecos que encontro no Twitter e em outras redes sociais. Repetições
contínuas, em vez de um mar de palavras originais.”
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