Juízes afirmam que STF tem direito de revisar julgamento do mensalão


Chegada de novos ministros ao plenário do Supremo pode mudar a sorte de alguns réus

Correio do Brasil / Rede Brasil Atual

“O discurso predominante qualifica como “retrocesso” e até mesmo “golpe” a possibilidade de que algumas sentenças do julgamento do mensalão venham a ser modificadas após a apresentação dos recursos pelos advogados dos réus. Apesar disso, algumas das principais entidades representativas dos juízes brasileiros encaram com naturalidade esse eventual desdobramento, considerado parte legítima de um processo judicial democrático. Segundo a Associação de Juízes Federais (Ajufe), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Juízes para a Democracia (AJD), a possibilidade de mudança nas sentenças não configura um retrocesso.

Os condenados no julgamento do mensalão que tiveram quatro votos por sua absolvição em alguma das condenações são 12 réus, em um grupo de 25  podem apresentar embargos infringentes que, se acolhidos, demandarão uma nova tomada de decisão pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF). Esta votação contará com a participação de dois novos ministros (um deles ainda a ser nomeado pela presidenta Dilma Rousseff), o que, em tese, dá margem para que as sentenças de alguns réus como José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Marcos Valério, entre outros, possa ser modificada.

- O que significa retrocesso? – indaga o presidente do Conselho Executivo da AJD, José Henrique Rodrigues Torres: “Nós tivemos um julgamento dentro de todos os parâmetros democráticos e conduzido por um Poder Judiciário democraticamente constituído. Está havendo um recurso dentro de um processo democrático. As questões serão reexaminadas pelo colegiado e há novos membros. Pode ser mantida a decisão? Pode. Mas a decisão pode também ser revista e modificada. Isso faz parte de um processo judicial democrático. Não se trata de retrocesso ou avanço, não é isso. O que é importante é que o sistema democrático seja mantido”, diz.

Segundo Rodrigues Torres, o sistema democrático em um processo judicial tem dessas coisas, inclusive a possibilidade de revisão da decisão e isso “está dentro da normalidade”. “O recurso existe exatamente objetivando uma modificação, uma revisão. Se nós admitirmos que é absolutamente impossível uma revisão, então, para que serve o recurso? O recurso tem de abrir realmente a possibilidade de uma modificação. E, se ela vier, nós temos de entender isso como absolutamente democrático em um processo que transcorreu até esse momento dentro dos parâmetros de um processo judicial democrático”, diz.

O presidente da AMB, Nelson Calandra, afirma a legalidade e a pertinência da possibilidade de apresentação de embargos infringentes. “Em um julgamento tão extenso – em um processo com milhares de páginas, documentos e provas – evidentemente que a função dos embargos é esclarecer qualquer omissão ou contradição que possa ter ocorrido durante o julgamento. De sorte que nós ficamos com a sensação de que os embargos, nesse caso especificamente da Ação Penal 470, podem ter natureza infringente porque o Supremo agiu como primeira, única e última instância.”

Calandra dá um exemplo. “Vamos dizer que um juiz tenha se referido na fundamentação de uma das condenações que a prova do comportamento delituoso de fulano de tal encontra-se nas folhas tal, documento tal. Aí, o advogado vai ver nas folhas tal, documento tal, e vê que não diz respeito àquele réu. Será impossível você manter uma condenação em uma circunstância dessas, principalmente considerando a natureza de um processo penal destinado a garantir o cidadão contra aquilo que pode ser excesso por parte do próprio Estado. Então, não vejo como retrocesso. Ocorrer um acolhimento dos embargos em caso específico por um erro no julgamento, pela referência a um documento errado, não é retrocesso, é Justiça”, diz.

Apesar de reconhecer que as mudanças de sentenças por embargos infringentes são raras, o experiente Calandra garante que isso é perfeitamente possível: “Em minha atuação no Órgão Especial – integrado por 25 desembargadores, um colegiado bem maior do que o do Supremo – já houve casos em julgamentos que nós procedemos e tivemos que acolher embargos até para mudar certo tipo de conclusão do julgamento anterior”, diz.

O presidente da AMB admite que o julgamento do mensalão, no qual alguns juízes inovaram em práticas e teses, pode apresentar outra novidade. “Antigamente era impensável mudar o resultado de um julgamento por força dos embargos, até mesmo porque, remotamente, poucos julgamentos aconteceram em nível de Supremo Tribunal Federal com essa dimensão, especialmente em matéria penal originária.”

O presidente da Ajufe, Nino Toldo, lembra que, antes de se falar em mudança de sentenças, é preciso que os embargos sejam acolhidos pelo STF como infringentes. “Precisamos ver em que termos serão postos esses embargos e, a partir daí, o que o Supremo vai definir. É muito provável que os advogados de defesa sustentem uma tese de que os embargos devem ser recebidos com efeitos infringentes para que possam tentar alguma modificação, mas isso não é assim tão simples”, diz.

Toldo salienta que a primeira coisa a se observar é se serão aceitos somente embargos de declaração, que não têm poder de mudar as sentenças. “Os embargos de declaração não servem para modificar o julgamento. Servem para suprir omissões ou aclarar contradições ou qualquer obscuridade que tenha no acórdão. Não é um recurso de revisão do julgamento todo. O fato também de ter entrado um ministro novo não significa necessariamente que isso vá levar a uma reviravolta no processo.”

O presidente da Ajufe afirma não ser comum que embargos revertam o julgamento: “Às vezes, se houve omissão do julgado ou algum esquecimento de algum ponto que deveria ter sido apreciado, somente em função disso, pode haver alguma alteração. Tenho participado de muitos julgamentos e o índice do que se modifica com embargos é muito baixo”, diz.”

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