“Para conquistar leitores pela técnica de
quem veio para confundir e não para esclarecer, colunistas conservadores querem
apagar a distinção entre "direita" e "esquerda"
Paulo Moreira Leite, ISTOÉ
Há algo estranho no jornalismo brasileiro. Enquanto a Igreja
Católica nem esperou pela morte de Bento XVI para livrar-se dele, dando espaço
ao Papa Francisco, nossos jornais e revistas realizam um movimento ao
contrário.
Esse processo levou a contratação de
Reinaldo Azevedo e Demétrio Magnoli pela Folha de S. Paulo e ao lançamento, com
pompas de livre-pensador, de Rodrigo Constantino pela VEJA. Preste atenção no
que você ouve no rádio, em quem aparece na TV. Quem estava no centro foi para a
direita. Quem estava à direita foi para a extrema-direita.
Nós não temos uma direita expressiva na vida real. Há muito tempo ela não tem votos em eleições majoritárias e, mais recentemente, enfrenta dificuldades até para formar uma bancada expressiva na Câmara e Senado. Muita gente denuncia o PT porque aceita infiltrados direitistas em seu palanque. Concordo que algumas companhias são mesmo lamentáveis e expressam um eleitoralismo exagerado.
Nós não temos uma direita expressiva na vida real. Há muito tempo ela não tem votos em eleições majoritárias e, mais recentemente, enfrenta dificuldades até para formar uma bancada expressiva na Câmara e Senado. Muita gente denuncia o PT porque aceita infiltrados direitistas em seu palanque. Concordo que algumas companhias são mesmo lamentáveis e expressam um eleitoralismo exagerado.
Mas talvez se justifiquem por piedade. O
DEM, último partido a merecer essa definição, é uma legenda em extinção. Não
compete para presidente, tem dificuldade para disputar governos estaduais e até
em rincões tradicionais mendiga aliança com antigos adversários para tentar
eleger um ou dois parlamentares pelo regime de coligação.
Mas a direita dá o troco nos jornais e
revistas.
Imagine que há uma década ou um pouco mais
a Época tinha o sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos e a psicanalista Maria
Rita Kehl entre seus colunistas fixos. Humberto Eco fazia comentários
internacionais. Luiz Felipe de Alencastro era colunista fixo da VEJA. No mesmo
período, Franklin Martins foi o principal comentarista político da TV
Globo.
O preocupante, nessa configuração à
direita, é que ela representa um passo fora da História.
O Brasil é um país com uma longa tradição
de pensamento conservador. Foi apenas com a vitória de Lula em 2003 que se
interrompeu uma sucessão histórica de governos à direita, raramente escolhidos
em urna, com mais frequência impostos pelas baionetas. Apenas Getúlio Vargas,
eleito em 1952, sem apoio do PCB, que lhe fez oposição até à morte, pode ser
considerado um candidato de esquerda. JK era um centrista perseguido pela
direita, que não suportava seu modelo desenvolvimentista. João Goulart chegou a
presidência, mas foi eleito como vice, num período em que se temia que um
presidente com perfil como o dele fosse capaz de vencer uma eleição mas seria
emparedado antes da posse.
Essa inclinação da imprensa à direita
ocorreu num momento histórico em que o país dá uma inclinada evidente a
esquerda. Pense nas três vitórias consecutivas nas últimas campanhas
presidenciais. Pense em 2014, quando a direita financeira foi recrutar uma
antiga petista – Marina Silva – para sonhar com alguma possibilidade de vitória
ao lado de Eduardo Campos, aliado histórico de Lula. Teremos uma campanha
decisiva e árdua mas não se engane.
A direita não ousará dizer seu nome pois
sabe que este é o caminho mais seguro para uma nova derrota.
Num movimento semelhante, é para conquistar
leitores pela técnica de quem veio para confundir e não para esclarecer, que
colunistas conservadores também querem apagar a distinção entre “direita” e
“esquerda”. Sabem o risco de assumir o que são, num país onde a direita possui
uma sólida tradição de autoritarismo, exclusão social e preconceito contra os
mais pobres – tudo aquilo que o brasileiro detesta e não quer encontrar de novo
à frente do governo.
O elenco de colunistas conservadores
realiza um movimento alinhado, que deixa todos os veículos numa mesma posição
política -- de costas para o país, longe da visão de mundo da grande parte dos
brasileiros. Não estamos falando de ideologia, de esquerda ou de direita. Estamos
falando de medidas concretas de governo, de salário mínimo, bolsa-família,
proteção ao emprego. Compare os alvos permanentes de ataque desses colunistas e
comentadores com aquilo que a população mais aprova e aprecia.
É tudo igual – com o sinal invertido. Pode
dar certo? Pode ajudar nas vendas? Pode ampliar seu público? Pode fazer aquilo
que se espera de qualquer veículo, seja no papel, seja na internet, que é
dialogar com seu leitor?
Jornais têm “pauta”, que reflete, com
nuances e mediações, aquilo que o proprietário considera assuntos mais relevantes.
Também tem “edição,” que sublinha e realça aquilo que o dono acha mais
importante. Normalíssimo. Outras publicações, que não são dirigidas por uma
família, possuem conselhos que também definem uma linha editorial a ser seguida
pelos jornalistas.
Mas é nas colunas de opinião que se
encontra a opinião do proprietário – ou melhor, ali se encontra o painel de
opiniões que se julga relevante publicar.
Essa opção absoluta por um pensamento
conservador tem várias consequências, a maioria nefastas.
Como se sabe, toda visão política anda de
mãos dadas com analises econômicas e projeções de médio e longo prazo. A
convivência em ares viciados costuma intoxicar o pensamento, diminui a
capacidade crítica e estimula a arrogância intelectual, sendo um caminho fácil
para erros e desastres.
A maioria dos grupos de comunicação do país
quebrou as pernas durante os anos 1990 em função da própria cegueira ideológica
e até hoje paga o preço de tamanho desastre. Têm dívidas imensas para saldar,
que se transformaram em fardos gigantescos sobre seu negócio. Impagáveis,
transformaram-se numa hemorragia permanente de recursos, além de uma asfixia do
mesmo tamanho sobre sua capacidade de investimento. A origem dessa situação já
foi bem diagnosticada. Durante o governo FHC, os donos dos meios de comunicação
– e colunistas mais influentes – investiram as reservas e toda capacidade de se
endividar em dólar porque acreditavam, de olhos fechados, no acerto da política
econômica daquele período. Terminaram de pires na mão, posição em que a maioria
se encontra até hoje, ainda que nem todos enfrentem a mesma situação
desesperada.
Também por razões ideológicas, pois o
governo mudou mas o partido das redações seguiu o mesmo, só que ainda mais
dogmático e radical, perdeu-se o bonde da história no governo Lula.
A partir de 2003, os mais pobres ganhavam renda, educação e dignidade – e logo, mais interesse por informações. Enquanto isso, nossas empresas de comunicação seguiram investindo na clientela de sempre, a classe média alta, os ricos e os muito ricos. Convencidas por analises totalmente equivocadas que enxergavam uma crise a cada 24 horas e a tragédia final do governo nos próximos 30 dias, foram incapazes de entender o que se movia pelos andares inferiores. Nunca abandonaram a opção preferencial pelos bem estabelecidos, que levou a investimentos de vulto na segmentação do mesmo mercado, muitas vezes no mesmo bairro, e até na mesma família, com publicações por gênero, por idade, por assunto, sabe-se lá o que mais.
Para o andar térreo, o maior esforço consistiu em jornais populares de serviço, despolitizados, uma mistura de atendimento ao consumidor com listas de benefícios de agencias do governo, a começar por precatórios e aposentadorias.
Num país onde 70% do eleitorado apoia e admira Lula, sua força política foi hostilizada de forma irresponsável, numa atitude politicamente discutível, mas culturalmente arrogante e ruinosa como opção de negócio. Alguns grupos só foram se dar conta de que o país havia mudado quando Lula chegava ao último ano de seu governo. Pode?
A partir de 2003, os mais pobres ganhavam renda, educação e dignidade – e logo, mais interesse por informações. Enquanto isso, nossas empresas de comunicação seguiram investindo na clientela de sempre, a classe média alta, os ricos e os muito ricos. Convencidas por analises totalmente equivocadas que enxergavam uma crise a cada 24 horas e a tragédia final do governo nos próximos 30 dias, foram incapazes de entender o que se movia pelos andares inferiores. Nunca abandonaram a opção preferencial pelos bem estabelecidos, que levou a investimentos de vulto na segmentação do mesmo mercado, muitas vezes no mesmo bairro, e até na mesma família, com publicações por gênero, por idade, por assunto, sabe-se lá o que mais.
Para o andar térreo, o maior esforço consistiu em jornais populares de serviço, despolitizados, uma mistura de atendimento ao consumidor com listas de benefícios de agencias do governo, a começar por precatórios e aposentadorias.
Num país onde 70% do eleitorado apoia e admira Lula, sua força política foi hostilizada de forma irresponsável, numa atitude politicamente discutível, mas culturalmente arrogante e ruinosa como opção de negócio. Alguns grupos só foram se dar conta de que o país havia mudado quando Lula chegava ao último ano de seu governo. Pode?
E assim chegamos a 2013. Olhando para o
próprio umbigo, nossos jornais e revistas concluíram que precisam ficar um
pouco mais à direita.”
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