Paulo Moreira Leite, ISTOÉ
"O senador Wellington Dias
(PT-PI) acha que o Congresso precisa investigar o Santander depois que o
banco foi flagrado em campanha contra o governo Dilma. Para o senador,
que fez a vida profissional como funcionário da Caixa Econômica Federal,
não custa lembrar:
“Um banco é uma concessão pública e não pode valer-se dessa situação para atuar numa eleição,” lembra Wellington.
A gravidade da questão reside aí.
A legislação
eleitoral brasileira não impede que uma instituição financeira – ou
qualquer outra empresa privada – retire uma parte de seus lucros para
fazer uma contribuição a determinado partido político. Eu acho errado e
condenável pois ajuda a criar eleitores que valem 1 voto e outros que
valem 1 bilhão de reais. Mas a lei permite – e é por isso que a regra de
financiamento de campanha precisa ser modificada.
Mas a orientação a
seus gerentes voltados a clientela de renda mais alta tem outra
natureza. Implica em usar o negócio – que deve obedecer a regras
específicas do Banco Central – para pedir votos. E isso não é aceitável,
explica o senador.
Da mesma forma que ninguém
desautorizado pode sair por aí emprestando dinheiro sem correr o risco
de ser acusado de agiotagem, nem comprar ou vender dólares sem ser
chamado de doleiro, um banco não pode transformar-se num comitê
eleitoral. Como qualquer outra empresa privada, tem sua função social a
cumprir.
A lembrança de que, em 2002,
tivemos a campanha do Lulômetro, estimulado por executivos do Goldman
Sachs, um dos grandes bancos de investimento do mundo, não diminui
gravidade do que ocorre em 2014. Apenas confirma um mesmo fenômeno.
Há instituições que colocam-se
acima de qualquer dever com o futuro do país, o bem estar dos cidadãos e
obrigações com o país que os acolhe.
É falta de respeito.
Pouco caso com o regime democrático.
É um comportamento
ainda mais impressionante quando se recorda que que os clientes
brasileiros oferecem, ao Santander, uma bolada de 20% ou mais dos lucros
que a instituição obtém em suas operações no mundo inteiro. É mais do
que o dobro daquilo que o banco obtem no mercado da Espanha, seu país de
origem. Pelo menos uma vez os lucros assegurados pela filial brasileira
chegaram a 28% do total do banco.
O Santander deu um salto no
Brasil – tornando-se um dos principais bancos europeus -- depois que
participou da privatização do Banespa, o maior entre os bancos
estaduais.
Foi pela compra dessa carteira
de clientes, que lhe dava acesso a folha de salários dos funcionários
púbicos do Estado mais rico da federação, que o Santander conseguiu um
lugar entre as cinco maiores do país. A operação, que desfalcava São
Paulo de um lastro respeitável para investimentos futuros, enfrentou a
oposição do governador Mário Covas, e não custou pouco.
O Santander pagou R$ 7 bilhões
pelo Banespa e essa quantia foi usada como argumento favorável a
operação. O que pouco se divulgou é que o Santander teve direito a
abater quase 3 bilhões a título de ágio contábil. Embora esse desconto
fosse previsto por uma lei de 1997, o fato do deságio ser concedido a um
grupo estrangeiro chamou a atenção de quem acompanhou a privatização de
perto, encontrando grande resistência, por exemplo, quando o caso
chegou a Receita.
A seu favor, o
Santander poderia dizer em 2014 que o comunicado lamentável apenas
deixou claro, em voz alta e letras de forma, aquilo que outras
instituições reconhecem em voz faixa e sem assinar recibo.
A verdade é que os bancos
privados tem praticado uma política sinuosa depois que, em função da
crise de 2008, o governo Lula decidiu abrir os cofres dos bancos
estatais para garantir o crédito e impedir o desmonte da economia.
A primeira reacão do banco
privado foi abandonar o mercado de credito por anos seguidos, permitindo
que os bancos estatais ganhassem terreno um ano após o outro – para
chegar a 47% do mercado, um número recorde, em 2012.
Pressionado, o governo federal
iniciou uma política de retirada do mercado, para abrir espaço para o
retorno das instituições privadas. Mas isso não aconteceu. A marcha-a-ré
de Brasília coincidiu com a alta nos juros, que permitiu ao sistema
retornar ao conhecido universo rentista, de quem acumula fortunas
bilionárias sem fazer força – pois o Tesouro paga a conta.
O crédito publico recuou e o
privado não apareceu, situação que ajuda a entender – ao menos em parte –
os números decepcionantes do crescimento recente, inferior a maioria
das previsões. Os bancos seguem cobrando juros altíssimos, sem relação
sequer com aumentos da Celic, sem serem incomoados pela concorrência dos
bancos públicos.
Será seguido, como se sabe, por um coralzinho contra a presença do estado na economia. E ninguém vai lembrar que um banco que já esteve ligado ao desenvolvimento de São Paulo agora é usado para fazer campanha presidencial junto a seus clientes.'
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