'São várias as razões pelas quais o carnaval brasileiro é conhecido mundo afora - o enfoque politicamente correto certamente não está entre elas.
Mas neste ano, a folia nem começou oficialmente e já coleciona manifestações inéditas que questionam tradições vistas por muita gente como sinais de machismo, homofobia e preconceito.
Em comum, as iniciativas usam fóruns online e redes sociais para aprofundar as discussões sobre estereótipos e trazer visibilidade a seus questionamentos.
A novidade está longe de ser unanimidade. O ataque a marchinhas como O seu cabelo não nega, mulata é classificado pelos céticos de "policiamento chato". Os ativistas que levantam as bandeiras são rotulados de "patrulha do politicamente correto".
A atriz recifense Dandara de Morais, uma das defensoras do fim de sátiras envolvendo a população afro-brasileira no carnaval, contra-argumenta.
"Estas piadas tiram onda, se apropriam de traços de uma cultura alheia com deboche. Quanto mais se faz isso, mesmo sem intenção, mais se estimula o preconceito", diz.
Do cancelamento de uma propaganda de cerveja considerada ofensiva à mobilização online contra estereótipos ligados à cultura negra, confira cinco temas que já esquentaram as discussões neste Carnaval antes mesmo de esquentarem os tamborins.
1. Sexismo alcoólico
Idealizada por duas amigas, a ação consistiu em completar a frase "Esqueci o não em casa" com "... E trouxe o nunca". As imagens foram postadas no Facebook e curtidas mais de 20 mil vezes em menos de 24 horas.
A repercussão foi tão grande que a Ambev, gigante do ramo de bebidas e responsável pela campanha, voltou atrás e prometeu retirar todos os cartazes das ruas.
2. Marchinhas 'gay friendly'
"Olha a cabeleira do Zezé / Será que ele é? / Será que ele é? / Bicha!". "Maria Sapatão, sapatão, sapatão / De dia é Maria / De noite é João!".
Frequentes no Carnaval, as sátiras a gays, lésbicas, travestis e transexuais vêm enfrentando repercussão negativa nas redes sociais. As críticas mais populares propõem novas letras a músicas consideradas ofensivas por esta parcela da população.
Retuitada quase 2 mil vezes, a usuária Giovanna ( @myfrenchfries) fez uma das releituras mais populares: "Maria sapatão, sapatão, de dia é Maria, de noite é Maria também porque identidade de gênero não tem nada a ver com orientação sexual".
Ela se refere a uma discussão frequente entre a população LGBT: ao contrário do que sugere a marchinha, a orientação sexual (ter como parceiros homens ou mulheres) não determina a identidade de gênero (perceber-se como do sexo masculino ou feminino).
3. 'Negro não é fantasia'
Formado apenas por homens com perucas "black power", batom vermelho para engrossar os lábios e tinta preta no rosto, o bloco, que completa 57 anos, foi alvo da ira da militância negra, que diz não achar a menor graça nas fantasias.
À BBC Brasil, os organizadores disseram se tratar de uma "homenagem singela às empregadas".
"Aquela não é a imagem criada pela própria mulher negra. É criada pela elite branca, com exageros nas formas e curvas. Não dá para dizer que é inofensivo, que é diversão. É deboche", disse à BBC Brasil a escritora e militante Jarid Arraes.
Tal qual a "nega maluca", o grupo pede o fim de marchinhas como O Teu Cabelo Não Nega e clichês como "mulata tipo exportação".
4. 'Beijo forçado deve ser proibido?'
A pergunta foi compartilhada mais de 8 mil vezes, virou um dos tópicos mais comentados no Twitter e gerou uma onda de comentários críticos no Facebook.
Entre os mais reproduzidos está o tuíte de Michael Renzetti ( @mikerenzetti): "Claro que não, inclusive vários outros crimes deviam ser permitidos, é #festa".
"Podem até passar calor, mas ninguém vai morrer por causa disso", disse à BBC no início do mês Inês Garçoni, organizadora do Imprensa Que Eu Gamo, que reuniu mais de 15 mil pessoas no pré-carnaval no bairro de Laranjeiras.
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